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Jazz no Parque 2025
JAZZ, OSTRAS, E BIFANAS COZIDAS
O Jazz no Parque é uma produção da Câmara do Barreiro, com características únicas a nível nacional. Internacional, aberto e gratuito, a programação de Jorge Moniz tem procurado escapar à tentação populista de oferecer ao público os híbridos coloridos da moda, escapando por outro lado ao elitismo snob dos vanguardistas.
Há uma linha ténue, um fio da navalha por onde é necessário caminhar, concepções de festival e de festa e de festival de Jazz internacional que se intersectam e que vêm construindo a personalidade do ainda jovem festival.
Tenho dado conta noutros anos da dificuldade em fazer uma programação para o público num recinto aberto e ao ar livre, e tudo é questionável. Compreende-se os que criticam a acústica, já de si naturalmente difícil, prejudicada pelo público que acampa e piquenica no recinto com a família e o cão e o gato, e por ali perambula alegremente; mas eu diria que esse é um incómodo inevitável, que se pode mitigar, mas a que irremediavelmente não se pode escapar se se pretende um festival aberto com estas características. Todas as outras alternativas são festivais indoors e/ ou pagos, sendo que os resultados nem sempre são, ainda assim, certos (como em tudo na vida).
É por isso que eu creio que esta terá sido talvez a mais acertada das programações de todas as edições do festival, com alguns reparos, um acidente ( e alguns concertos a que eu não assisti).
Falarei da programação, mas antes gostaria de falar um pouco mais da festa. Um pequeno parênteses.
Como escrevi, o festival decorre num espaço aberto ao público, em noites de verão que se esperam quentes, no magnífico Parque da Cidade do Barreiro. As pessoas entram e saem e passeiam-se, deitam-se na relva, conversam, enfim, fazem a festa.
Comem também. E paralelamente à música, o festival tem uma banca de merchandising, com camisolas e sacos e canetas, o costume, e providenciou também uma zona de comidas street food, com seis barracas e roulottes. Uma barraca de bebidas mais pesadas, uma de comida vegen, uma outra com umas sandes de carne assada com potencialidade, mas que não experimentei, uma ainda com pastéis de bacalhau e arroz de tomate, com pratos, talheres e tudo, outra que vendia bifanas e pizzas, e uma roulotte apenas com ostras. Todas ou quase todas vendiam também cerveja a copo e vinho bag-in-box, com excepção para a barraca das ostras.
Streef Food é um conceito que tem tanto de mítico quanto de erróneo. Algumas raras excepções fazem a lenda (e não havia sandwiches de pastrami) e a norma é um equívoco, como foi o caso da minha experiência no Barreiro.
Mas começou bem, muito bem até, na roulotte das ostras que não sei como lá foi parar. Fresquíssimas, irrepreensivelmente servidas, as meninas sabiam ao que vinham e podiam acompanhar com espumante ou vinho, correctamente servido.
Muito aceitável estava o prego de tofu, ao que me disseram (o que eu duvido; como é que é possível que um prego de tofu resulte aceitável, mas isso sou eu no meu veneno anti-vegen), mas, pelo contrário, francamente negativa resultou a ida à barraca das bifanas: as bifanas estavam basicamente cozidas e desfeitas! Elas tinham tido um tempero de colorau e vinho, provavelmente, mas estavam cozidas (em vez de fritas ou grelhadas) numa panela e saíam dali directamente aos pedaços para as carcaças, escorrendo molho descomedidamente. Um desastre!
Por fim, outro aspecto negativo da área da street food refere-se às bebidas, e em especial aos copos das cervejas. As cervejas eram servidas, e bem, em copos reutilizáveis, de plástico duro, que teriam como intenção substituir o vidro e o plástico de utilização única. Tudo bem, compreendemos que o vidro seja de evitar em eventos deste tipo, e a solução será um mal menor.
Os clientes chegam a uma das bancas, pedem uma cerveja e pagam uma quantia pelo copo e... compram o copo, porque os comerciantes não os recebem de volta. Ou seja: poupam-se alguns copos, de facto, mas o resultado final é um enorme desperdício de copos atirados para o lixo; e em termos de massa plástica, a poupança é duvidosa.
Já tinha assistido a esta prática no Out Jazz e, ao que me disseram, ela é comum a outros eventos. Esperteza saloia, contorna-se a lei, os comerciantes vendem não apenas cerveja mas também copos e não têm de os lavar, e o ambiente perde da mesma forma. Não sei de quem foi a ideia, se dos comerciantes se da câmara, mas gostaríamos de ver corrigido este disparate muito pouco ecológico.
Mas regressemos à música.
Como referi, este é um festival aberto, gratuito, ao ar livre, tipicamete um festival de verão. Podemos gostar ou não deste tipo de festivais, mas eles têm o seu lugar, sendo que se tornam necessários alguns cuidados de programação, para além de outros, entre os quais alguns de que eu falei hoje ou noutros anos.
E esses cuidados dizem respeito basicamente ao bom senso. Porque é possível fazer um festival de bom nível, ainda que algo mais popular. Não preciso recordar que o Jazz começou por ser uma música popular. Essa popularidade perdeu-se ao ganhar erudição e respeitabilidade, ao mesmo tempo que, de outra forma, conquistava o estatuto de Arte.
Mas o Jazz não é uma forma musical unívoca, e nem sequer ele é de definição pacífica, e se um sector do Jazz se remete, mais ou menos voluntariamente, para uma elite, outro mantém ou (re)ganha popularidade. E muitos músicos mesmo tocam hoje música para grandes públicos e amanhã fazem Jazz de características de câmara, indiferentemente.
O pano dava para muitas mangas, e encontrarei muitos que discordam de mim; mas eu penso mesmo que é possível fazer um festival de Jazz popular e oferecer boa música ao público.
Enfim, é também por pragmatismo que eu creio que vale a pena fazer um festival como o do Barreiro, e também que esta foi a sua programação mais acertada, e equilibrada, mesmo apesar de um acidente só admissível pela imaturidade da organização.
Seis concertos internacionais de bom Jazz, que não transigem na qualidade, e que podem fazer bons espectáculos. Dos seis concertos anunciados apenas não me recordo de alguma vez ter ouvido o pianista Daniel Garcia e não cheguei a ver porque não fui ao Barreiro no domingo; mas o acidente aconteceu na substituição à ultima hora da saxofonista Melissa Aldana pela cantora e contrabaixista Amy Gadiaga.
Se Melissa Aldana não me levantaria nenhumas objecções, e ela até já tocou por diversas vezes em Portugal e não necessita de argumentos, Amy Gadiaga foi um daqueles acidentes que não pode acontecer, um recurso provavelmente impingido pelo promotor, agravado pelas situação. A verdade é que nem sequer ficámos a saber se a jovem Gadiaga sabia tocar ou tinha alguma coisa para dizer ou tocar. Com ela vinham dois miúdos que nunca tinham tocado juntos antes, e o concerto foi um absoluto desperdício de tempo e dinheiro. Nem sequer trazer a sua banda regular é inadmissível e o público foi até muito condescendente, no que eu apenas compreendo porque estava, indiferentemente, à espera de Peter Bernstein. Um rotundo NÃO para este tipo de coisas.
Todos os outros concertos correram bem.
Emmet Cohen trio.
Como escrevi na apresentação do festival, Emmet Cohen tornou-se um músico popular durante a pandemia por ter aberto todas as segundas-feiras à noite da sua living room ao mundo, em concertos onde juntou músicos do calibre de Christian McBride, Joe Lovano, Cyrille Aimee, Samara Joy ou Pasquale Grasso. A atenção que o "Live From Emmet's Place" lhe proporcionou levou-o a ser considerado pelo público um dos mais importantes pianistas de Jazz vivos, e ofereceu-lhe a atenção da crítica também. «Um dos mais importantes pianistas de Jazz vivos» será com certeza, em meu entender, um descomedimento, mesmo sendo ele um bom pianista.
Generoso no swing, residirá aqui, porventura, a razão da sua popularidade, a par, naturalmente, do virtuosismo que gosta de exibir. Concerto bem disposto, tranquilo, Cohen é um músico de Jazz que não se discute, despretensioso. Era o que tinha para oferecer, e bem, e o público mas não pediu.
Aaron Parks "Little Big".
O universo musical, e a fórmula, de Aaron Parks, até nem anda longe de Emmet Cohen, como o pianista tem confirmado nos concertos que tem dado em Portugal nos útimos tempos. Cohen mudou-se para cá recentemente, e podemos encontrá-lo em locais até menos prováveis, a solo ou convidado por músicos locais.
Mas o quarteto que trouxe ao Barreiro vem de Nova Iorque, o Little Big, que já vai no terceiro disco, afilia-se mais no Jazz de fusão, em grande medida compelido pela guitarra de Greg Tuohey.
O Jazz de fusão tem fiéis prosélitos, e vive também ele do virtuosismo dos seus executantes, e na mesma medida do exibicionismo. E foi um pouco o que aconteceu no Barreiro, sem excesso ainda assim, e, como o anterior foi também ele um concerto agradável e tranquilo.
Peter Bernstein Quartet
Peter Bernstein é uma lenda entre os guitarristas, por estes mais considerado até, do que pelo público. Bernstein é um músico enorme, mas a sua carreira sempre se pautou por algum comedimento. Todos os concertos a que assisti são sempre um enorme prazer, e este não quis ser excepção.
E enfim, para não dissonar no festival este foi também um concerto tranquilo, embora, ao contrário dos anteriores, dois concertos construídos para serem espectáculo, o concerto de Peter Bernstein foi um pouco como se o guitarrista nos estivesse a convidar para a sua sala. Os músicos estavam verdadeiramete a divertir-se, falavam entre si com os olhos, tocavam porque gostavam de tocar e os concertos eram uma necessidade que cumpriam sem esforço.
O repertório do concerto alternou entre originais do guitarrista, «No problem» e um outro que não reconheci, um standard, o incontornável «Love for Sale», a balada «Tres Palabras» do cubano Osvaldo Farrés (do álbum Let Loose de 2016), e um blues arrastado no muito solicitado encore.
Quarteto de irredutíveis, a coesão e a inspiração resultava em eficácia. Pianista intrusivo, com blues nos dedos, por vezes imperceptivelmete atrasado no tempo; contrabaixista omnipresente, sólido, a surpreender num solo belíssimo, cantado, na balada, e de novo no encore; e baterista ora fulgurante, ora flutuando nos tempos lentos. E a guitarra no centro de tudo, luminosa, inspirada, brincalhona. Ora, ora: Peter Bernstein, Bill Stewart, Doug Weiss e Danny Grissett; num concerto tranquilo, o prazer do Jazz na sala de estar do mestre.
E enfim, ainda quanto à progamação, e uma sugestão para a câmara: é que, se eu defendo que este festival num espaço aberto faz todo o sentido, completar-se-ia o festival com acerto se ele incluisse dois ou três concertos mais dirigidos a um público mais conhecedor do Jazz; e a Câmara do Barreiro até dispõe de um auditório muito perto, mesmo a gritar pela utilização!
Saldo positivo para o Jazz no Parque de 2025. Programação de Jorge Moniz.
Jazz no Parque - Barreiro - 27 X 28 X 29 de Junho
(Antecipação)
Apesar da tenra idade o festival de Jazz do Barreiro ambiciona um lugar entre os mais importantes festivais de Jazz nacionais; tem trabalhado para isso e ele é já um incontornável.
A programação deste ano é mesmo a mais equilibrada de todas, adaptando as características de festival ao ar livre com o nível de músicos como Aaron Parks ou Peter Bernstein.
O festival começa na sexta 27 com a estreia continental do popular Emmet Cohen. Cohen é um pianista norte-americano que se tornou conhecido no período da pandemia por ter aberto a sala de sua casa ao mundo com concertos semanais; e por ela passaram durante dois anos alguns dos mais relevantes músicos de Jazz da actualidade. Bastante como resultado dessa exposição, talvez, ele foi considerado pelo público um dos mais importantes pianistas de Jazz vivos.
A «praia» de Emmet Cohen é o Jazz tradicional, mesmo se a sua formação académica é a da música clássica europeia, mas ele conhece profundamente a história do jazz, e ele não terá quaisquer pretensões de daí sair, para satisfação do público. A sua fórmula natural é o trio de piano.
Aaron Parks é o senhor que se segue, e o "Little Big" é o quarteto-orquestra que levará ao Barreiro.
O nova-iorquino de coração Aaron Parks faz parte da miríade de músicos de Jazz que adoptaram recentemente a cidade de Lisboa para viver e temo-lo visto por aí, a tocar, com os bons músicos portugueses. A formação que irá tocar no idílico Parque da Cidade do Barreiro é, no entanto, um quarteto vindo expressamente dos Estados Unidos, de piano, guitarra, baixo e bateria; um pouco fora do que lhe conhecemos, e que a guitarra autoriza, do ponto de vista harmónico e, eventualmente rítmico também. Vamos ver e aplaudir, por certo.
O festival recomeça na tarde de sábado com o Ensemble da Escola de Jazz do Barreiro;
seguindo-se, também fora da programação internacional, a voz de Rita Maria que dará corpo à guitarra de Nuno Costa com «Songsayer».
E a noite começa com o trio de Amy Gadiaga, uma contrabaixista cantora de que sei pouco, até nem sequer a formação, dado que a jovem música costuma actuar com um trompetista, mas por vezes também à baterista acrescentou uma guitarra. Do que me foi dado ouvir na internet, a francesa, desde há algum tempo estabelecida no reino de sua majestade, cultiva uma sonoridade que namora o funk, mas noutros momentos o trompete impõe-lhe uma dinâmica mais dura e interessante. Nada como ir ver.
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Outra das estrelas do festival é Peter Bernstein, uma lenda viva da guitarra Jazz, que só por ele justificaria a deslocação ao Barreiro. Mas com ele estarão Bill Stewart, Doug Weiss e Danny Grissett. Outra grande noite em perspectiva.
No domingo, e porque é domingo e no dia seguinte é dia de trabalho, o festival recomeça pelas 17.00 com a Academia de Jazz os Franceses;
seguindo-se-lhe um músico que vem de Salamanca, e que acaba de se estrear na germânica ACT, Daniel García. O pianista apresenta-se como uma das vozes mais originais e influentes da nova geração do jazz espanhol» e reconhece influências do flamenco, do Caribe e do Médio Oriente.
Enfim, ainda deverá ser dia quando o Trio Azul de Carlos Bica começar a tocar. Singular, original, popular, encontro único de personalidades, internacional (um português, um berlinense e um norte-americano), encerra da melhor forma o Jazz no Parque 2025.
(Sobre o concerto do Trio Azul ler também «Três perguntas a Carlos Bica»)
Sexta 27 de Junho, 22.00, Emmet Cohen Trio
Sexta, 27 de Junho, 23.30, Aaron Parks "Little Big"
Sábado 28 de Junho, 17.00, Escola de Jazz do Barreiro
Sábado 28 de Junho, 18.00, Songsayer
Sábado 28 de Junho, 22.00, Amy Gadiaga Trio
Sábado 28 de Junho, 23.30, Peter Bernstein Quartet
Domingo 29 de Junho, 17.00, Ensemble da Academia de Jazz os Franceses
Domingo 29 de Junho, 18.00, Daniel García Trio “Wonderland”
Domingo 29 de Junho, 19.30, Carlos Bica “Azul”
Programação: Jorge Moniz
20 de Julho de 2025